Grêmio Estudantil
Ainda sem muito saco para ficção, e como o TdP Charada disse que a história valia o post, vamos lá...
Quando eu estudava no primeiro grau, 827 anos atrás, havia um divisor de águas entre a quarta e a quinta série.
Não apenas porque era o fim do ensino fundamental e começo do ginasial... passávamos a ter vários professores, um para cada disciplina. Com isso, começávamos também a usar caderno de 10 matérias e bic de 4 cores, ou até a de 10 cores - ainda não era sabido que elas deixavam a mão dolorida e torta.
Aposentávamos a mochila e comecávamos a levar os cadernos para a escola na mão.
Por quê? Ora... porque era como víamos todos os outros estudantes do ginásio fazer, então fazíamos também.
Logo no primeiro dia de aula, tivemos a notícia de que também já tínhamos o direito de montar chapas para concorrer ao grêmio estudantil, cuja eleição aconteceria após algumas semanas.
Como eu ainda não era lá muito politizado e nem era de muitas atitudes, a princípio esse fato não me despertou muito interesse.
Nesse mesmo dia, na hora do recreio intervalo, dando uma volta próximo a quadra esportiva, vi um conhecido sentado à arquibancada, fazendo anotações em um caderno. Ele havia estudado comigo nos 3 anos anteriores, mas havia então caído em outra sala (era da 5A, e eu da 5B). Perguntei o que ele estava fazendo... ele disse que estava montando uma chapa para concorrer ao grêmio.
Minha memória não é tão boa a ponto de me deixar lembrar o que pensei antes de pedir pra entrar na chapa, mas pedi.
Ele fez uma cara de "não sei", e disse que só havia um dos cargos ainda disponível. Todos os outros haviam sido preenchidos a dedo... ele sentou lá no início do recreio intervalo, e quando passava alguém, apontava o dedo e perguntava "ei, você quer entrar na minha chapa?"
Mas enfim, fui aceito e meu nome escrito ao lado do cargo até então disponível: vice-presidente.
Como qualquer outra novidade na vida de um adolescente, a experiência foi empolgante.
Mas longe de querer dissertar a respeito do quanto aprendi com ela (já que nada aprendi), de querer traçar um panorama em que todos nos sentimos cidadãos ativos dentro de uma democracia (porque não nos sentimos), ou de querer salientar um paralelo com a vida pública atual (até porque essa não precisa de salientação), vou logo aos pontos que valem ser registrados...
Começando pelos integrantes da nossa chapa (Número 3, pela ordem de inscrição na diretoria da escola)...
Eram 13 cargos por chapa. Pelo que me recordo, a estrutura hierárquica era mais ou menos essa:
Presidente
Vice-Presidente
1º Tesoureiro
2º Tesoureiro
Orador
1º Secretário
2º Secretário
Diretor de Imprensa
Diretor de alguma coisa
Diretor de alguma outra coisa
1º Suplente
2º Suplente
Nosso candidato a presidente, o tal que havia iniciado tudo, era um gordo relaxado, carinhosamente conhecido como "Rola Bosta", devido a um episódio ocorrido algum tempo antes, envolvendo uma bola de futebol, sua camiseta e um tolete seco.
Nossos dois tesoureiros eram repetentes. Ambos haviam bombado em matemática por 2 anos seguidos.
O Diretor de Imprensa era um japonês que de esperto tinha apenas a cara e a fama (por ser oriental), e que provavelmente tinha problemas na tireóide.
Ambos os suplentes sempre perguntavam, em cada reunião, exatamente o que um suplente tinha que fazer. Ninguém nunca respondia, já que também não sabíamos.
Mas a pérola da nossa chapa era o nosso orador.
Era o único da turma que trabalhava meio período. Também era o único que já tinha bigode. E também era fanho e gago.
Friso: nosso orador era fanho e gago.
Membros das chapas tinham o direito de sair da sala em horário de aula para fazer campanha nas outras salas; direito esse que usávamos e abusávamos. Combinávamos quais aulas iríamos matar, e fazíamos a "campanha" naquele dia e horário.
Minha irmã, veterana (oitava série) chegou a intermediar/negociar votos dos amigos em troca da escolha da aula que iríamos interromper em determinada semana.
Computadores eram coisa rara, tanto nas casas quanto nas escolas. Então os panfletos de campanha eram desenhados à mão, com uso de aptidão artística (ou sem nenhuma, no nosso caso) e letras-molde feitas em cartolina ou resina.
Como cópias xerográficas eram caras, os panfletos tinham que ser rodados no mimeógrafo da escola.
Fazíamos uma vaquinha para compra das sulfites, do papel carbono e do álcool. Agendávamos o uso do aparelho na diretoria, fora do horário de aula. Toda a chapa aparecia no horário marcado, mas deixávamos apenas um de nós rodando as cópias e íamos para a quadra jogar bola - pelo menos, até o dia que pegamos o Itamar (o orador gago) bebendo, direto da tampinha, uma dose do álcool Zulu que devia ser usado nas cópias.
Uma semana antes do dia da eleição, foi organizado um debate entre as chapas.
A diretora da escola fazia a mediação, e havia um pequeno discurso de introdução à plataforma de cada chapa, feito pelo orador representante (repito e reitero: o nosso orador representante era fanho e gago).
Nesse dia, percebemos que sua gagueira e sua fala estranha não nos deixava reparar em outras características de sua pessoa... até aquele momento havia passado completamente desapercebido o fato de que ele era, também, burro pra cacete.
No debate, metade das perguntas eram feitas pelos alunos (eleitores), a outra metade pelos integrantes das chapas para as chapas concorrente.
Nosso presidente tentou responder a primeira pergunta, feita pelo vice-presidente da chapa Número 1: "o que ele pretendia fazer para arrecadar verba para a escola?"
E digo tentou, porque ele respondeu a pergunta com outra pergunta: "Verba? O que é verba?"
Numa época em que Clodovil e Enéas não seriam eleitos nem para síndicos do prédio, obviamente perdemos a eleição.
Acho até que "perdemos" é um termo pouco pertinente... praticamente nos usaram para limpar o chão do pátio escolar: numa escola de 400 alunos, tivemos uns 23 votos.
Levando em consideração que éramos em 13, e os 2 ou 3 amigos mais próximos de cada integrante devem ter-nos dado seus votos, acredito que alguns de nossos próprios membros votaram nas chapas concorrentes, ou simplesmente eram tão tontos que não conseguiram votar de modo válido.
Quando o presidente da chapa vencedora - um veterano da sala da minha irmã - procurou o nosso presidente para cumprimentá-lo pela participação (num ato antigo também conhecido como "contar vantagem"), nosso dileto representante nos encheu novamente de orgulho dizendo de forma nada discreta "pega no meu saco, seu narigudo".
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